Por: Elizabeth Misciasci
Como Egressas, após o cumprimento de suas penas, cada Mulher tem uma forma diferente de olhar “a nova realidade.” Isso porque, as que cumprem penas muito extensas, perdem muito mais a noção do mundo fora das grades do que as que ficam menos tempo encarceradas.
Embora as mudanças comportamentais, se manifestem em todas, algumas por ficarem menos tempo encarceradas, já conhecem os avanços tecnológicos e as obras construídas que se destacam em meio às metrópoles ou mesmo as pequenas cidades.
Roseli passou doze anos na condição de pessoa presa, seu delito: Artigo 121 do C.P.P., ou seja, Homicídio. Muito do que viu e viveu nas unidades prisionais pela qual passou, sabe que nunca ira esquecer, mais já em liberdade há um ano e três meses, tenta recomeçar sem martirizar o drama que viveu.
O nome fictício no real relato de "Ana Elisa", que cumpriu o mínimo que o artigo impõe.
-“Fiquei presa doze anos, por homicídio. A vida na cadeia nos limita e quando saí pude perceber que perdi a noção de quem eu era. Minha liberdade parecia algo impossível, e com o tempo fui me adaptando à cadeia como o próprio sistema nos impõe. Claro que assistia televisão, e por meio dela, tinha uma noção muito pequena do mundão aqui de fora.
A hora que meu nome foi gritado a galeria, já fiquei com medo, não sabia o porquê me requisitavam naquele horário, porque as trancas que se fecham as 18h00min já tinham “batido” há muito, até a contagem há havia sido feita.
Quando nos chamam, principalmente depois do horário da contagem é pra ter receio... Mais na verdade, era pra arrumar minhas coisas, porque meu alvará de soltura havia sido expedido. Na hora, não pensei nada, fiquei em estado de choque e os meus pertences, que não passavam de cartas e uma bolsa velha, foi o que peguei com a maior rapidez.
Não dá tempo de se despedir das amigas que fazemos mais no meu caso, por ser antiga na unidade, as meninas gritavam felizes e puderam acenar pela boca da cela. Berrei para as que ficaram e sai... Na prisão, eles dão com muita má vontade (nem sempre lógico) um único telefonema pra que alguém que a gente indique, possa nos buscar. Como não pode ser numero de telefone celular, dei o telefone da minha cunhada. Ela nunca me visitou, mais eu sabia que meu irmão receberia o recado.
Sai com o uniforme da cadeia, um passe de ônibus que um agente penitenciário me deu e com “meus estimativos pertences”.
Já no portão da cadeia, fiquei perdida entre o lado de dentro e a rua. Tinha perdido a noção das horas, porque na cadeia o tempo não passa, e imaginava que seriam muitas as horas que eu teria que esperar. Olhava com vontade de andar, mais não conseguia sair do lugar, o pânico das luzes que ofuscavam minha vista, tão acostumada com o amarelão do cárcere, deixava a sensação estranha de que eu não estava vivendo nada daquilo. Pensei que tinha morrido e estava em outra vida, cheguei até a pensar em me jogar debaixo de um carro, pra ter certeza que não era devaneio.
Até que com toda a grosseria normal o guarda da portaria, mandou-me sentar em outro lugar, ele não me queria no portão. Tudo bem, faz parte.
Não vou dizer que fiquei infeliz não, porque ao receber o estúpido advertido, tive a certeza que estava de fato livre.
Quando meu irmão chegou com a minha cunhada, me abraçou e choramos, mais não é assim com todas. Muitas não conseguem avisar ninguém e saem vagando pelas ruas, perdidas.
Meu irmão foi sensacional, mais naquela noite não falei com a minha mãe, (moramos hoje eu, ela e meu irmão caçula) fui para a casa do meu irmão. Ele pediu pizza, quantos anos que eu não sabia o que era uma fatia de pizza...
Tive receio do que me esperava, achava que estava escrito na minha testa, ex-presidiária, particularmente eu acreditava que teria que dar explicações a cada um que cruzasse meu caminho, afinal, doze anos são doze anos. Eu pensava o que as pessoas vão dizer? O que eu irei falar?
Fiquei inventando histórias pra responder caso fosse questionada, mais ninguém me perguntou nada! Afinal, minha família e as pessoas próximas, sabiam o que eu tinha feito e ninguém ficou me apontando. Só, que eu precisava sentir (e ao mesmo tempo não queria) a reação de todos que eu iria encontrar.
Imagina doze anos na prisão, não sabia o que era um computador, uma câmera digital, não imaginava o brilho a mais que a cidade ganhou.
Tanto tempo presa, perdi minhas referencias como ser humano, tinha pressa em resgatar o tempo perdido, precisava regularizar meus documentos, fazer um curso, arrumar trabalho, recomeçar.
Como se fosse fácil... E eu ainda tive sorte, porque minha formação antes da prisão foi muito boa. Recebi uma educação com base e tentei não me influenciar completamente pelo cárcere, mais a maioria das mulheres que saem, encontra outra realidade, sem perspectivas e abandono mesmo.
Não fui atrás das velhas amizades, porque estas nunca me escreveram e o fundo a gente sabe que a discriminação acontece e não podemos obrigar as pessoas a entenderem.
Hoje, estou cursando secretariado e trabalhando em uma loja de artigos importados mais não foi fácil, passei pelo tele marketing (quase todas passam) e estou formando novo rol de amigos.
Dessas pessoas novas que me cercam e entraram na minha vida, nunca revelei meu passado, não tenho coragem. Pode ser que daqui uns anos eu resolva mostrar a minha cara e a minha história de vida, sem receio, por enquanto ao posso. Infelizmente, nem todos compreenderiam e eu não tiro a razão de ninguém, mais também não “estou a fim” de dar mais explicações ou passar por interrogatórios de curiosos, correndo o risco ainda, de perder a pouca oportunidade que a vida por si só esta me dando.
Recomeçar é difícil sim, quero frisar, eu sou uma das pouquíssimas exceções das que saem dos presídios depois de cumprirem suas penas, e conseguem uma oportunidade de resgate social. Ainda não me encontrei completamente, faço terapia e espero conquistar muitas coisas sonhadas desde a infância.
Como minha experiência gostaria de deixar uma mensagem, para que as mulheres, principalmente as meninas, que estão envolvidas com “gente errada” não pensem que alguns casos viram manchetes de jornais e tornam umas acusadas famosas, crente ser isso bacana. Não existe lugar pior que cadeia, e “Estrelas do crime é ficção”... Nada vale mais do que nossa liberdade de ir e vir. Saibam que o que se perde pelos anos na cadeia, não se recupera jamais”.
Elizabeth Misciasci (http://www.jornalista.eunanet.net)
Publicado no Recanto das Letras em 01/06/2008
http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1014301